terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quando era mais nova, já fui esquecida na porta da escola. Algumas vezes até. Aquele dia que o combinado foi outro, que o horário era outro, que o lugar era outro, que mudou a rotina e eu fiquei na porta da escola. Nem sei dizer se tem realmente essas desculpas pelos esquecimentos, mas o fato é que a sensação de ser esquecido na porta da escola é muito ruim. A expectativa da espera, de que no próximo carro, no próximo passo perto ou no próximo olhar, esteja o esperado, o pai, a mãe. E aquele medo de querer olhar pra mais um carro, mais uma pessoa que caminha ao longe, e ter só mais uma decepção.
E agora vi que comecei a viajar muito longe no meu sentimento que é bem simples. Hoje me senti esquecida. É isso. E isso não é bom, nem legal. É chato. E triste.
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E procurando uma imagem de menina esquecida na escola vi esse texto que me animou um pouco, mas já achei que não se aplica mais. Enfim...




Plantada que nem samambaia na porta da escola. Mochilinha nas costas, um par de sapatos caramelo e um rabo de solidão no canto olho. Eu era a menina do cabelo repartido ao meio, dos ombros desiguais, dos óculos com aros cor de abóbora, prostrada diante da imagem dos colegas indo pra casa de mãos dadas com seus pais.

Pátio vazio, luzes apagadas!
Ao meu redor havia apenas o portão da escola e um zelador sentado num canto, ouvindo o jogo de futebol num radinho AM. E eu ali, criando raízes, de pé, à espreita. Eu era a menina do cabelo repartido ao meio que ninguém veio buscar. Eu era a menina que ficou pra fora do mundo!
Quando a vida nos presenteia com o imprevisível, muitas coisas passam pela nossa cabeça:
"Será que se eu tivesse calçado sapatos de outra cor, meu pai teria vindo me buscar?"
"E se, ao invés de manter o cabelo repartido ao meio, eu usasse um rabo de cavalo? Já teria ido pra casa de mãos dadas com a minha mãe, ou ao menos com uma babá que fosse?"
"Será que tudo que eu escolho me torna quem eu sou e define o que vai acontecer comigo?"
"A cor que optei para o aro dos meus óculos pode revelar traços de mim? É capaz de determinar os acontecimentos da minha vida?"
Plantada que nem samambaia na porta da escola. Mochilinha nas costas, um relógio de pulso pesando no braço e um rabo de lágrima no canto do olho. Eu era a menina dos ombros desiguais que fora esquecida ali.
Ao meu redor, havia apenas um poste de luz e um relógio de pulso tiquetaqueando mais que eu. Àquela altura, só me restava sentar e esperar! Poderia também saber quanto estava o jogo e me distrair por ali, acompanhando a narração dramática do locutor pelo radinho AM do porteiro-amigo. Ou quem sabe rezar para que alguém surgisse dobrando a esquina, somente na intenção de me resgatar!
Mas, considerando bem todas as minhas opções, percebi que poderia me movimentar e transformar toda a paisagem ao meu redor. Dei alguns passos que se tornaram contínuos num desejo único: desbravar a cidade e reconhecer o caminho de volta para casa. Nesse dia, observei que mesmo as samambaias são capazes de se modificar e dar nova forma ao mundo que as cercamSamambaias podem voar quando ninguém está vendo e corações podem tiquetaquear mais que relógios de pulso.
E quando não há mais ninguém pra nos dar a mão ao atravessar a rua, ainda assim, devemos arriscar e ir além.
"Afinal, é para isso que servem as faixas de pedestres, não é mesmo?"
"É para isso que tenho pernas, estou certa?"
Para ir aonde se precisa chegar...
E chegar onde se precisa ir...
Contando com um pouco de sorte, um tanto de coragem, uns óculos cor de abóbora e um par de sapatos caramelo.
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_MaíraViana_ 
'A menina das palavras'


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